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A lei recua e os carros avançam

| Revista ACP

Os fabricantes de automóveis garantem que a circulação de carros autónomos irá aumentar a segurança nas estradas. E a lei, o que diz sobre carros sem condutor? De quem é a responsabilidade em caso de acidente? Será preciso ter carta de condução para guiar um destes carros?

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Gostaria de circular na estrada num carro que se guia sozinho? Mais de metade dos norte americanos respondeu, num recente inquérito (Morning Consult 2016), que não.

Apesar da desconfiança de alguns condutores, grandes marcas como a Apple, a Google, a Toyota, a Uber e a Volvo estão atualmente a testar e a desenvolver tecnologia com o propósito de tornar os carros autónomos. A Tesla Motors anunciou recentemente que todos os carros da marca em produção estarão equipados com hardware que lhes permitirá conduzir sozinhos.

Os fabricantes do setor automóvel garantem que as capacidades destes veículos são superiores às de um condutor humano e que a circulação de carros autónomos irá aumentar exponencialmente a segurança nas estradas.

E a lei, o que diz sobre carros sem condutor? De quem é a responsabilidade em caso de acidente? Será preciso ter carta de condução para guiar um destes carros?

Nos EUA, alguns Estados já adotaram legislação no sentido de permitir a circulação de carros autónomos. O enquadramento jurídico está, contudo, longe de ser claro e cristalino. Os próprios fabricantes têm diferentes entendimentos quanto à responsabilidade que pretendem assumir. A Volvo afirma que se irá responsabilizar pelos danos causados pelos seus veículos, caso o acidente tenha ocorrido quando o carro estava a circular em modo autónomo. A Tesla, por sua vez, afirma que devem ser as seguradoras do condutor a assumir a responsabilidade por eventuais danos. É claro, no entanto, que um acidente causado por um defeito no hardware ou software do veículo será imputável ao respetivo fabricante, sobretudo se a falha for grave.

A programação do software destes veículos coloca dilemas éticos ainda mais difíceis de resolver. Perante a eventualidade de chocar contra um peão ou, em alternativa, fazer embater o carro e os seus ocupantes contra um outro obstáculo que poderá colocar em causa a integridade física destes, que decisão deve o veículo tomar? Deverá ser o software a tomar estas decisões? Ou a pessoa atrás do volante? O MIT lançou recentemente uma plataforma, designada por “Moral Machine”, na qual os utilizadores são chamados opinar, em cada caso, qual deverá ser a decisão do veículo autónomo. Não deixa de ser desconcertante ter que decidir, ainda que virtualmente, qual das decisões poderá ser considerada “o mal menor”, sobretudo quando estão em causa vidas humanas, com igual dignidade e valor.

Para além das questões relativas à imputação de responsabilidade e aos dilemas “morais” que se podem colocar, uma das preocupações dos fabricantes destes veículos é proteger os respetivos sistemas contra ataques maliciosos de terceiros, isto é, contra o hacking. À luz da lei portuguesa, a prática destes atos é considerada como um crime e punível com pena de multa ou, nos casos mais graves, com pena de prisão. Neste aspeto, os avanços tecnológicos não colocam especiais dificuldades de enquadramento jurídico, uma vez que a Lei do Cibercrime já prevê a criminalização de atos de sabotagem ou acesso ilegítimo a sistemas informáticos.

É expectável que as seguradoras sejam obrigadas a rever as apólices de seguros e as respetivas prestações. Cumprindo-se a promessa de que o número de acidentes e de lesões diminuirá, a avaliação do risco terá certamente que ser repensada. Esta avaliação reveste-se de alguma complexidade, pois a mesma dependerá de quem seja considerado como o condutor do veículo, sendo certo que algumas destas máquinas podem ser conduzidas também por pessoas. Nestes casos, ao risco de falha do hardware ou do software acresce o risco de erro humano.

A tecnologia avança, não raras vezes, mais rapidamente do que a lei, pelo que as interrogações são atualmente ainda muitas. Para alguns, a complexidade das questões jurídicas atrasará, necessariamente, a implementação desta tecnologia no mercado. Espera-se que os Estados consigam atingir um nível regulatório e de consenso suficientemente alargado para permitir que estes veículos circulem nas estradas, facilitando o aperfeiçoamento da tecnologia e aumentando a confiança dos humanos nas máquinas.

Há 100 anos atrás, o público em geral rejeitava a ideia de viajar de avião. Talvez os céticos de hoje circulem, despreocupadamente, nos carros autónomos de amanhã.

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