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O que muda com o orçamento do estado?

| Revista ACP

OE para 2017 revela uma ambiciosa meta para o défice orçamental previsto, situando-o no valor inédito de 1,6%, sendo a previsão para o crescimento económico de 1,5%.

Serena Cabrita Neto

O Governo entregou, na passada sexta-feira, na Assembleia da República, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017. A Proposta revela uma ambiciosa meta para o défice orçamental previsto, situando-o no valor inédito de 1,6%, sendo a previsão para o crescimento da economia de 1,5%, prevendo-se também um crescimento da despesa na ordem dos 0,2%. Nessa medida, os desafios do ponto de vista da arrecadação da receita pelo Estado, aliados aos compromissos que o Governo enfrenta do ponto de vista da coligação que o apoia e do Programa que apresentou aquando da sua eleição, determinam, de forma óbvia, a necessidade de aumento da carga fiscal, aliás como vem acontecendo nos últimos anos. Mas sobre que impostos e sobre quem incidirão estas opções do Governo? O que visa mudar, no essencial, esta Proposta de Lei? Antes de mais, importa sublinhar ser visível a escolha, na senda do que foi sendo anunciado nas últimas semanas, pelo aumento do contributo para o Orçamento do Estado dos impostos sobre o património e dos impostos especiais sobre o consumo – com a criação de duas novas realidades sujeitas a tributação -, em detrimento do aumento em sede de impostos diretos, demonstrada pelo simultâneo alívio (ainda que diminuto) da tributação dos impostos sobre o rendimento, em particular no IRS.

Começando pelos impostos sobre o património, é de destacar a eliminação da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que incidia sobre os imóveis habitacionais ou terrenos para construção acima de 1 milhão de euros (taxando-os a 1% sobre o valor patrimonial tributário). Propõe-se a sua substituição pelo Adicional ao IMI, a incidir sobre o património imobiliário acima de 600 mil euros e com uma taxa de 0,3%, aplicável a esse excedente, sendo o limite de exclusão aumentado para 1.200 mil euros no caso de imóveis detidos por sujeitos passivos casados. Com um claro alargamento da base tributária, que deixa de abranger apenas os imóveis habitacionais e os terrenos para construção, o novo imposto aplica-se a pessoas singulares e coletivas, deixando de fora apenas os imóveis industriais e os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, sendo porém possível a dedução do imposto aos rendimentos gerados quanto a imóveis arrendados. Ponto polémico, e que certamente marcará a discussão na Assembleia da República, é o facto de se prever que a exclusão dos 600 ou 1.200 mil euros apenas se aplicará se os sujeitos passivos tiverem a sua situação tributária regularizada, ou seja, se não tiverem dívidas ao fisco ou, tendo-as, se as mesmas estiverem devidamente garantidas.

Quanto aos impostos especiais sobre o consumo, começando pelo Imposto sobre Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA), para além de um aumento generalizado de 3% sobre as realidades sobre as quais incide, destaca-se o alargamento da sua base de incidência aos refrigerantes – a segunda grande inovação, designada por “fat tax” -, agravando-se a taxa do imposto em função do teor de açúcar das bebidas abrangidas. Em relação ao Imposto Sobre o Tabaco, propõe-se um aumento do elemento específico integrante da taxa de 90,85 euros para 93,58 euros, propondo-se, contudo, uma redução do elemento ad valorem de 17% para 16%. Da mesma forma, é proposto um aumento do elemento específico integrante da taxa nos tabacos de fumar, rapé, tabaco de mascar e tabaco aquecido de 0,078 euros/g para 0,080 euros/g e uma descida no elemento ad valorem de 20% para 16%, e um aumento do líquido contendo nicotina de 0,60 euros/ml para 0,618 euros/ml.

Quanto aos combustíveis, relativamente ao Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), propõe-se um aumento generalizado de 3%. Quanto ao Imposto Sobre Veículos (ISV), incidente sobre a aquisição de veículos, propõe-se o aumento generalizado das taxas na ordem dos 3%. No contexto das medidas da Fiscalidade Verde, propõe-se, no âmbito do incentivo fiscal ao consumo de veículo de baixas emissões (veículo híbrido plug-in), a redução de ISV até ao limite de 562,50 euros, mediante requerimento prévio à aquisição. Uma vez reconhecido o direito à redução de ISV, o direito ao mesmo deve ser exercido no prazo de 6 meses.

Ainda quanto à tributação dos veículos, prevê-se um aumento generalizado das taxas do Imposto Único de Circulação (IUC) em 1% e, no que respeita aos veículos de categoria B, matriculados após 1 de janeiro de 2017, a criação de uma taxa adicional com um valor máximo de 65,24 euros, em função do escalão de CO2. Propõe-se, porém, a isenção de IUC para os veículos da categoria B com níveis de emissão de CO2 até 160g/km e para os veículos da categoria A, que se destinem ao serviço de aluguer com condutor e ao transporte em táxi, sendo a isenção aplicável apenas aos veículos matriculados após 1 de janeiro de 2017.

No IVA, tradicionalmente um imposto gerador de elevada receita, usualmente conseguida pelas alterações promovidas às tabelas das taxas reduzidas, verifica-se uma rara estabilidade, indo o maior destaque para o facto de a taxa intermédia de 13%, aplicada desde 2016 à restauração e bebidas, continuar a não ser aplicada em 2017 às bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas. Prevê-se, no entanto, uma autorização ao Governo para legislar na matéria, o que poderá implicar alguma eventual alteração ao longo do ano.

Quanto aos impostos sobre o rendimento, em sede de IRC, quanto às empresas, verifica-se igualmente uma estabilização de regras, merecendo destaque o alargamento do benefício fiscal relativo à remuneração convencional de capital (aumentando de 5% para 7% a taxa relevante de entradas realizadas, que passam a ter como limite máximo 2 milhões de euros) e a reintrodução do regime de incentivos fiscais à interioridade, designadamente aos incentivos à instalação de empresas no interior do território nacional, estabelecendo-se a possibilidade de aplicação da taxa de 12,5% de IRC, aos primeiros 15 mil euros de matéria coletável.

Em relação ao IRS, a principal novidade – que se assume aliás, como a medida orçamental mais emblemática - é a eliminação progressiva da Sobretaxa, ao longo do ano de 2017, variando o escalonamento previsto consoante o escalão em que cada contribuinte se insere, sendo a eliminação tanto mais rápida quanto mais baixo for o escalão.

Também quanto a este imposto são ajustados os escalões para fazer face ao aumento da inflação, mantendo-se as taxas nominais do IRS inalteradas, propondo-se, contudo, uma ligeira alteração dos intervalos de rendimento coletável, o que conduz a uma descida moderada do imposto a pagar.

Por fim, uma nota às alterações em matéria de garantias dos contribuintes e de justiça tributária. Aqui destaca-se o alargamento da possibilidade de dispensa de prestação de garantia pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em sede de execução fiscal, nas situações em que, para além de a sua prestação causar prejuízo irreparável ao contribuinte ou o mesmo demonstrar a manifesta falta de meios económicos para a sua prestação, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a uma atuação dolosa do contribuinte. Propõe-se ainda o alargamento da dispensa de prestação de garantia quando, à data do pedido, o devedor tenha dívidas fiscais não suspensas, de valor inferior a 5 mil euros para as pessoas singulares, ou 10 mil euros para as pessoas coletivas (ao invés dos atuais EUR 2.500 e EUR 5.000, respetivamente). Propõe-se ainda que a garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduque se, na ação de impugnação judicial ou de oposição à execução que corra nos tribunais, o garantido obtiver decisão integralmente favorável em 1.ª instância. Neste caso, em sede de recurso já não haverá obrigatoriedade de manter a garantia prestada a favor do Estado.

Em jeito de conclusão, cremos ser evidente, no panorama fiscal proposto pelo Governo para 2017, uma clara viragem para a tributação indireta, assente na penalização fiscal do consumo, com uma ligeira descida da tributação quanto às pessoas singulares (não transversal a todos os escalões e/ou categorias de rendimentos), em sede de IRS. Também o património é tendencialmente mais penalizado, nomeadamente pela criação do novo Adicional ao IMI. Esta mudança de agulha – com viragem para maior tributação do património e do consumo - traduz uma manifesta opção política, por contraposição a opções do passado recente. Em suma, não obstante o certo otimismo quanto à performance das finanças públicas que desta Proposta transparece, os pesados compromissos de convergência orçamental e o diminuto crescimento económico expectável revelam, inexoravelmente, o quão curta continua a ser a manta e o muito que os portugueses serão ainda chamados a suportar...

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