Diz o povo que no meio está a virtude, mas tal adágio não se aplica aos condutores que circulam em Portugal, por causa do artigo 13 do Código da Estrada, que diz ser obrigatório circular na via mais à direita quando existem duas ou mais vias no mesmo sentido. Embora esta regra já exista há bastante tempo, só passou a ser punida, e fortemente, desde julho de 2016. Mas com pouca eficácia, pois desde essa altura e até dezembro apenas quatro autos tinham sido levantados por essa razão. Pode-se dizer que o assunto era praticamente desconhecido de muitos automobilistas. Até que a Guarda Nacional Republicana decidiu contrariar essa ignorância, e de forma bem assertiva.
Chamou-se Operação Via Livre e decorreu em duas fases. A primeira fase foi entre 20 e 26 de março e, segundo o Capitão Ricardo Silva, da GNR, "foi feito apenas um alerta aos condutores, aproveitando operações-stop para explicar os perigos de circular na faixa do meio e também informar que se trata de uma contraordenação grave, ou mesmo muito grave se for cometida nas autoestradas".
Mas a 27 de março começou o período a "doer" da operação Via Livre, pelo menos para os 840 automobilistas que nos sete dias seguintes foram apanhados a guiar tranquilamente na faixa do meio ou da esquerda quando a via da direita estava desimpedida. O resumo feito pelo mesmo oficial da GNR é esclarecedor: dos 840 automobilistas detetados, 711 circulavam numa autoestrada e 129 noutras vias. Ao todo, estas 840 infrações poderão equivaler à perda de 3102 pontos nas cartas de condução". Recorde-se que, desde julho, passou a ser uma contraordenação grave, com perda de dois pontos e inibição de condução entre um a 12 meses. O problema é que se a contraordenação for detetada numa autoestrada passa a muito grave, com perda de quatro pontos e inibição de condução entre dois a 24 meses. Em ambos os casos a coima pode ir dos 60 a 300 euros.
Apostada em mediatizar esta operação de sensibilização, referindo inclusive "as mais de 3 milhões de pessoas alcançadas pela nossa página de Facebook", a GNR autorizou reportagens televisivas para mostrar que a lei vai passar a ser cumprida com rigor. E as reacções, sobretudo nas redes sociais como o Facebook, não se fizeram esperar, dividindo-se entre os que apoiam a regra e os que acham que deve ser alterada.
O embaixador Francisco Seixas da Costa, sócio do clube, colocou nessa rede social um curto texto em que questionava a regra de circular obrigatoriamente na via da direita nas autoestradas, tendo provocado mais de um centena de comentários (embora nem todos concordantes) e mais de 350 "gostos" por parte dos leitores. Em declarações ao Autoclube, Seixas da Costa diz "ter dificuldade em compreender a lógica desta lei aplicada aos troços de autoestrada que tenham três faixas, pois se as pessoas aceitam que o limite de velocidade é de 120 km/h tal significa que quem circule na via do meio à velocidade máxima permitida não vai ser utrapassado, tirando as excepções como veículos em marcha de urgência". E traça um cenário hipotético para resumir a sua opinião: "até a lei ser mudada, é claro que é para cumprir, mas não deixo de perguntar, que prejuízo provoca um condutor que siga na via do meio à velocidade máxima permitida pela lei numa autoestrada deserta?".
Além disso, acrescenta, "ir sempre na faixa da direita implica estar sempre em confronto com os veículos que seguem a velocidade mais reduzida e também com aqueles que saem ou entram na autoestrada, obrigando a sucessivas mudanças de faixa e ultrapassagens, com os riscos decorrentes". Sobre a "pesadíssima punição" dos que não seguem na via mais à direita, este diplomata qualifica-a de "muito desproporcionada face ao perigo que poderá representar aos que circulam na via". Seixas da Costa faz este "apelo à racionalidade da lei" a partir de "um sentimento de cidadão comum que percorre cerca de 30 mil quilómetros por ano e usa quase toda a rede de autoestradas nacionais".
Para o presidente do Automóvel Club de Portugal, Carlos Barbosa, "tudo se resume a uma questão de bom senso, tanto da parte de quem conduz como da parte de quem fiscaliza. Há quem pense que vai mais seguro no meio, por não ter de fazer manobras de ultrapassagem, mas, na realidade, o lado direito é o mais protegido".
Também o porta-voz da GNR, o Capitão Ricardo Silva, considera que "é uma questão de bom-senso, pois os guardas não vão multar um condutor que esteja a ultrapassar uma fila de camiões ou quem circula na faixa do meio quando o trânsito está mais intenso".