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Como o ex-CEO da Nissan fugiu do Japão

| Revista ACP

Carlos Ghosn, que liderou a Nissan-Renault, estava detido no Japão, mas fugiu para o Líbano numa caixa de instrumentos musicais. 

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O empresário franco-brasileiro de origem libanesa Carlos Goshn revelou, aos 65 anos, que protagonizar um verdadeiro filme de ação e suspense não escolhe idades ou estatuto social. É que desde 31 de dezembro que o ex-presidente da aliança Renault-Nissan está nas bocas de todo o mundo ao ter fugido do Japão iludindo as forças de segurança com pormenores dignos de um filme de ação.

Ghosn, que liderava o grupo automóvel que mais veículos ligeiros vendeu (10,76 milhões de unidades) no mundo quando foi preso em 2018, deu a sua primeira conferência de imprensa esta quarta-feira, já em território libanês, mas escusou-se a revelar pormenores da fuga. Apenas justificou a sua evasão com o facto de estar a ser alvo de uma conspiração de "indíviduos sem escrúpulos e vingativos". Carlos Ghosn está acusado de abuso de confiança e evasão fiscal e estava sob prisão domiciliária, vigiado 24h por dia.

Apesar de algumas dúvidas que ainda subsistem sobre esta espetacular fuga de Ghosn, já se sabe a forma como esta decorreu. Logo na manhã de domingo um avião a jato Bombardier Global Express - um avião com alcance superior a 10.000 km - posicionou-se no terminal de jatos particulares do Aeroporto Internacional de Kansai, construído sobre uma ilha artificial perto de Osaka. No interior já lá estavam duas enormes caixas pretas, por norma usadas para o transporte de instrumentos musicais.

Mais tarde, no mesmo dia, de acordo com imagens de câmeras de segurança descritas pelos meios de comunicação social japoneses, Ghosn saiu pela porta da frente de sua casa, usando um chapéu e uma máscara facial de estilo cirúrgico, muito frequentes entre os japoneses para proteger da poluição. O gestor apanhou um comboio "bala" de Tóquio para Osaka por volta das 16h30, hora local.

Após a viagem, apanhou um táxi para um hotel próximo ao aeroporto, segundo a estação NTV. Nessa noite, o já referido jato Bombardier descolou de Kansai com destino a Istambul. Segundo uma das teorias da equipa de investigação, a passagem pela Turquia visava não levantar suspeitas já que é residual o número de pessoas a voar de jato diretamente para Beirute.

Estes passageiros, que usam um terminal privado, não estão isentos do controle alfandegário e respectivos passaportes, o que de facto aconteceu, mas Carlos Ghosn não precisou de mostrar qualquer documento pois, alegadamente, embarcou no interior de uma das duas caixas pretas que seria grande demais para caber nas máquinas de raio-X do aeroporto, escapando a um controlo minucioso. Às 23h10, o jato estava no ar com o fugitivo a bordo.

A chegada ao aeroporto de Ataturk em Istambul terá levado pouco mais de 12 horas. Quem planeou esta fuga parece ter escolhido a rota com muito cuidado. De Osaka, o avião voou para noroeste, evitando a Coreia do Sul - que tem tratado de extradição com o Japão - e depois cruzou o espaço aéreo russo, onde permaneceu por quase toda a viagem. Essa não é de todo a rota mais direta, que seria antes sobre a China, Mongólia e Cazaquistão. Mas manteve Ghosn a sobrevooar um país onde tem conexões importantes e influência considerável, graças ao seu trabalho de resgate na AvtoVAZ, um fabricante de automóveis russo em dificuldades financeiras e que passou a integrar a aliança Renault-Nissan. Se por alguma razão o governo japonês exigisse que aquele jato privado fosse parado, Ghosn teria mais hipóteses de protelar uma extradição.

Mudar de avião em Ataturk poderia expor Ghosn novamente aos "radares" das autoridades. Tal como sucedeu em Kansai, Ghosn fez a curta viagem até ao seu destino de novo numa caixa. O segundo jato, um Bombardier de menor alcance, descolou pouco depois para o rápido voo até Beirute.

A salvo no país de sua juventude, Ghosn não precisou mais de esconder a identidade. Embora os advogados do gestor tivessem entregado o passaporte francês como condição de fiança às autoridades japonesas, Ghosn tinha outro passaporte francês - um privilégio raro, concedido a cidadãos cuja atividade pode exigir que viajem ao mesmo tempo que entregam o outro passaporte para solicitar vistos para destinos futuros. Ghosn conseguiu manter o segundo, sob a condição de que permanecesse numa caixa de plástico protegida por uma fechadura de combinação para a qual apenas os seus advogados tinham o código. De acordo com as autoridades, essa caixa não era resistente e facilmente se conseguiu retirar o documento. Com o passaporte francês na mão, Ghosn assentou legalmente arraiais no Líbano.

"Não estou acima da lei”, afirmou o empresário, “mas não tinha escolha que não fosse a de fugir do Japão” onde a taxa de condenação é de 99%. “Optar por fugir foi a decisão mais difícil da minha vida.”

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