Ecrãs digitais dão boleia aos automobilistas do futuro

Mas há que evitar distrações

Há quem não passe sem eles e há quem os considere uma perigosa distração, mas a verdade é que os ecrãs digitais vieram para ficar na vida dos automobilistas.

Quando foi lançado, em 1908, o famoso Ford Model T tinha apenas um instrumento no painel por detrás do volante, logo por baixo do para-brisas. Se julga que era o velocímetro, um dos indicadores mais óbvios para os automobilistas da atualidade, então está bem enganado: era um amperímetro, usado para a medição da intensidade no fluxo da corrente elétrica.

Saber a velocidade não era, na altura, um dado importante, isto apesar de ser o primeiro carro produzido em série, atingindo velocidades na ordem dos 75 km/h com os seus 17 cv de potência. Mais de 120 anos depois, a história dos tablier é bem diferente, de tal forma que, por exemplo, praticamente hoje em dia nenhum construtor de automóveis coloca amperímetros à vista nos seus modelos, mas em muitos deles é agora possível saber rapidamente como chegar ao restaurante ou posto de combustível mais próximo. Basta consultar o ecrã.

Os ecrãs ocupam um lugar central na vida dos automobilistas.

Tal como o telemóvel passou a dominar as sociedades no geral, também os ecrãs passaram a dominar a vida de grande parte dos automobilistas no particular. Ocupam literalmente um lugar central na vida dos condutores.

Se antes havia um grande número de botões para carregar ou rodar na consola central, agora está tudo concentrado num ecrã, cujo tamanho em média pode variar entre as 7 ou 12 polegadas (cerca de 30 cêntimetros): ar condicionado, rádio, GPS, dados gerais da viagem, parametrizações do comportamento dinâmico do automóvel (o chamado “modo de condução”), iluminação interior e exterior, são algumas das muitas funções disponíveis, tantas quantas os engenheiros das marcas automóveis conseguem idealizar.

ecrãs veículos ao longo do tempo

1. O Ford T trazia apenas um amperímetro no painel de instrumentos.
2. Primeiro ecrã digital da história foi do controverso Aston Martin Lagonda, de 1976.
3. Moderno ecrã de um protótipo

Habituado a tomar decisões ao milésimo de segundo ao longo sua carreira, Pedro Lamy considera que “os ecrãs são uma mais-valia para os condutores, pois trazem muita informação que permite tomar as melhores decisões, como por exemplo escolher as melhores rotas com o GPS ou mesmo ser avisado com antecedência para eventuais obstáculos no decorrer da viagem”. O piloto ACP, que foi o primeiro português a conseguir pontuar na Fórmula 1, categoria que disputou entre 1993 e 1996, não tem dúvidas sobre “a importância dos ecrãs” na vida dos automobilistas e na forma como estes vão ainda mais ocupar um lugar central no papel da condução.

Até o telemóvel, objeto que é alvo de enormes preocupações por parte das autoridades rodoviárias – como se pode ver pelo muito recente aumento em Portugal das multas por usar o telemóvel ao volante –, acaba por estar integralmente disponível para os automobilistas... no ecrã do seu carro. Isto significa que as redes sociais e laborais também ficam disponíveis no carro.

A distração está a tornar-se num dos maiores riscos de segurança nas estradas.

O problema é que a distração está a transformar-se num dos maiores riscos de segurança nas estradas. Estima-se que até 25% dos acidentes rodoviários são causados pela distração e que 25 a 30% do tempo total de condução é hoje em dia gasto com atividades lúdicas. Tirar os olhos da estrada por dois segundos enquanto conduz multiplica o risco de colisão por 20. Se preferir um exemplo concreto, eis um caso recorrente: em média, são precisos 5 segundos para ler ou escrever uma mensagem, o que equivale a atravessar um campo de futebol de uma ponta à outra a conduzir de olhos fechados, a uma velocidade de 90 km/h.

Os ecrãs nos modelos da Tesla podem chegar às 17 polegadas(43 cm na diagonal)

Proibir os telemóveis e permitir estes ecrãs nos automóveis é um bocado contrassenso”, advoga a neurologista Élia Baeta. “Às vezes admira-me que as pessoas não tenham mais acidentes, mas, por outro lado, há acidentes que se explicam melhor quanto às suas prováveis causas, pois estes ecrãs são uma interferência, no sentido neurológico do termo, do acto da condução. Se conduzir já é um acto ‘multitasking’ (multitarefa), o condutor, para dar atenção às informações que surgem no ecrã, tem de dividir ainda mais a sua atenção. E quanto mais difícil se torna conduzir, maior é o perigo”, explica esta especialista. Não se trata só de uma questão de idades, pois “se é possível treinar a atenção dividida, também é verdade que o uso da atenção dividida pode estar limitada em qualquer faixa etária”, resume.

Até cerca de 2010 os carros com ecrãs eram raros. Refira-se, por curiosidade, que o primeiro carro a trazer painéis digitais foi o Aston Martin Lagonda em 1976, modelo britânico que, a preços atuais, custava mais de 200 mil euros e que, apesar de muito controverso pela sua estética e mal afamado pelos problemas tecnológicos (começou a deitar fumo pelo painel na apresentação à imprensa), registou bom nível de aceitação, sobretudo entre o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho, já que uma das línguas que o Lagonda “falava” era o árabe.

A partir de 2010 a disseminação dos ecrãs tornou-se imparável. Inicialmente funcionavam ainda com teclas e botões, mas sensivelmente a partir 2015 democratizaram-se os “touchscreen” (ecrãs de toque) e poucos anos mais tarde começaram a surgir os comandos por voz (ainda circunscritos ao segmento médio-alto), em que uma inteligência artificial descodifica os desejosverbalizados pelo condutor para funções como climatização ou escolha de rotas. Hoje em dia qualquer utilitário a partir dos 15 mil euros já poderá trazer um ecrã, ainda que com funcionalidades um pouco mais limitadas.

 

in Revista ACP | fevereiro 2021
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