A influência do mundo biónico nunca foi escondida naquele que pode ser considerado um dos mais arrojados projetos da Daimler em curso, de tal forma que, quando foi pela primeira vez apresentado, no início de 2020, Ola Källenius, Presidente do Conselho de Administração da Daimler AG e da Mercedes-Benz, apareceu ao lado do cineasta James Cameron para revelar um conceito revolucionário inspirado no universo Pandora, do filme Avatar. Na altura, foi mostrado um protótipo que pretendeu fundir luxo, tecnologia e sustentabilidade inspirado na tecnologia orgânica dos filmes de Cameron. O resultado: um design apelidado de "One Bow", sendo o primeiro carro a estabelecer uma relação simbiótica entre homem, máquina e natureza. Mas se, na altura, era apenas um conceito, agora o construtor alemão tornou-o realidade. O carro já existe, pode ser tocado, pode ser testado e acaba de estrear uma novidade ainda mais revolucionária: uma interface controlada pela mente.
Chama-se Mercedes-Benz Vision AVTR (Advanced Vehicle Transformation) e a sua última versão foi apresentada no IAA MOBILITY (Internationale Automobil-Ausstellung - International Motor Show) que decorre em Munique até 12 de setembro. Alguns dos visitantes daquela feira já puderam testar a novidade: como controlar a interface do automóvel com seus pensamentos.
O Vision AVTR é um carro elétrico com autonomia para 700km, feito com materiais orgânicos e que aspira ser totalmente autónomo e interativo. E aqui a palavra Interativo é elevada aos píncaros, tipo “controle com o cérebro”.
As rodas são esféricas, o que permite movimentos mais versáteis, introduzindo uma nova questão: como se conduz um carro que se move em 360 direções? Com um joystick, por isso esqueçam o volante. O Mercedes Vision AVTR não traz volante, mas sim um painel de controle tátil que permite dirigi-lo de qualquer um dos assentos. Basta colocar a palma da mão sobre ele e movê-lo de forma semelhante ao touchpad do seu laptop, em qualquer direção.
Além disso, esta consola reconhece os parâmetros biométricos do condutor, como frequência cardíaca e respiração. Da mesma forma, superfícies hápticas estão instaladas nos bancos e permitem monitorizar a pressão arterial e a frequência respiratória para determinar qual o seu estado mental e nível de stress e, assim, adaptar o a climatização e a iluminação do carro de acordo com o seu estado de alma. A Mercedes define estes novos pormenores num automóvel como uma forma mais tátil de fazer a fusão entre homem e a máquina.
Na vanguarda desta tentativa de simbiose entre veículo e condutor está a tecnologia Brain-Computer-Interface (BCI), com a qual a Mercedes-Benz pretende conectar o carro ao cérebro humano. É uma tecnologia que já vem sendo utilizada na investigação médica há algum tempo, como opção viável para aumentar a autonomia das pessoas com deficiência física, mas agora está a ser utilizada pela primeira vez na indústria automóvel. Como o próprio nome sugere, consiste em relacionar a atividade cerebral a uma interface física por meio de um computador, de modo a que o computador leia as reações do cérebro aos estímulos da interface e assim agir sobre ela.
Especificamente, o Vision AVTR possui elétrodos portáteis para a cabeça e pontos de luz num painel totalmente digital. Desta forma, a atividade cerebral registada pelos elétrodos quando o utilizador foca os pontos de luz vai atuar como uma espécie de touchpad para concretizar os comandos. Para fazer isso, o sistema requer apenas uma breve calibração prévia a partir da qual passa a relacionar as ondas cerebrais a uma determinada função. Parece simples.
Para já estamos a falar do controlo da interface de infoentretenimento com a mente: por exemplo, selecionar o destino de navegação, modificar a luz ambiente ou mudar a estação de rádio ou música em streamming. A ideia é que o utilizador se concentre na condução e assim não se distraia com outras tarefas.
Mas este carro não deixa de ser a prova rolante de que uma conexão neuronal, como a dos Na'vi (povo humanóide que vivia em Pandora, no filme Avatar), já não pertence exclusivamente ao território da ficção científica.